Costume

Me acostumei. Com teu fogo baixo. Com tua fala mansa. Teus ruídos estranhos e teu jeito indecifrável de me olhar. Me acostumei. Com tuas piadas ruins. Com tua culinária regada a shoyo. Com os filmes muito bem selecionados que eu adoro mas sempre durmo na metade. Me acostumei. Com a paisagem da BR. Com o trânsito na Brasil. Com a sina de conseguir um santo motorista que suba as ruas de paralelepípedo que dão para o seu prédio. Me acostumei. Com nossas risadas. Com as aventuras compartilhadas. Com as fotografias e os desenhos que nunca te satisfazem mas me arrancam encantamentos e uma certa inveja. Me acostumei. Com a nossa implicância mútua. Com os travesseiros voando na cara. Com as cutucadinhas prá chamar atenção. Me acostumei. Com a inquietude que me causa. Com teu jeito distante. Com meu medo de me aproximar. Me acostumei. Com tua palavra por vezes debochada transformando meu gostar em carência. Com o jeito por vezes brusco com que afasta o corpo ao primeiro sinal de toque. Com essa sensação de culpa a cada desejo (sempre contido). Me acostumei. A calar amor. A me fazer indiferente. A questionar esse afeto que me brota cada vez que você sorri.. ou olha prá mim.. ou somente respira e existe ali calado. Me acostumei. Ao desassossego. A insegurança. A essa farsa a qual chamo desapego. Me acostumei. A ir sempre só até onde o pé alcança e a fechar o coração prá todo vestígio de reciprocidade. Me acostumei. Com a saudade. Com essa falta  ridícula que sinto da tua companhia assim.. numa quarta feira a tarde. A me sentir ridícula por me sentir ridícula. Me acostumei. A transmutar essa aflição em versos e gritar nas entrelinhas. Me acostumei. A achar errado isso tudo que eu sentia. A esse niilismo sentimental forjado ao qual tento me mascarar sem nenhum sucesso pois sou alarde. Gritei. Pois na construção dessa mulher-bicho que escreve com pontos desconexos e vísceras em excesso não há mais espaço para melindres... porque me acostumo... mas não me acomodo. Transformei esse ar parado em fogo vivo afinal o sol em libra ascende em áries e não é atoa. Te convido prá dançar comigo.. suporto uns pisões no pé. Só não me faça gastar um tango com amores mornos se arrastando no meio do salão.

Comentários

  1. Muito boa a construção transformando o encantamento no tédio, a indiferença nesse ser que grita, que é alarde. Mas faria um exercício poético. Sucumbiria essa passagem mais testemunhal que fazes:

    "Pois na construção dessa mulher-bicho que escreve com pontos desconexos e vísceras em excesso não há mais espaço para melindres... porque me acostumo... mas não me acomodo. Transformei esse ar parado em fogo vivo afinal o sol em libra ascende em áries e não é atoa. Te convido prá dançar comigo.. suporto uns pisões no pé. Só não me faça gastar um tango com amores mornos se arrastando no meio do salão."

    Manteria a linguagem que vc vinha usando, esquentando esse fogo, fazendo a água extravasar da panela, fazendo a gente sentir esse shoyu salgando a boca em demasia, enrrugando a boca, e depois se libertaria. Como dito, um exercício poético.

    =o)

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